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1989, CAMPEÕES DA UNIÃO


    Abril de 1988. Depois de uma derrota para o Fluminense, o técnico Pinheiro chegou muito irritado em Marechal Hermes. No centro do gramado, reuniu todo o elenco. Em vez de analisar a lamentável atuação do time, preferiu intimidar os jogadores. “Você já viu o Félix jogar, Gabriel?”, perguntou ao goleiro. “E você, Mauro Galvão, já ouviu falar no Sebastião Leônidas?”, indagou, citando o último zagueiro campeão pelo clube, em 1968. Todos ouviam a bronca em silêncio. Até Pinheiro se dirigir a Carlos Alberto Santos. “E você, Carlos Alberto, conhece o Andrade?”, continuou a  provocação, com ar absolutista. Um pouco distante, Paulinho Criciúma levantou o braço. “Pode falar, Paulinho”, consentiu. “Seu Pinheiro, o senhor pode criticar todo mundo, menos o Carlos Alberto. Durante o jogo, só demos dois chutes. Os dois chutes foram dele”, disse Paulinho, cheio de coragem, para surpresa dos companheiros. Nascia ali o embrião da nossa taça, que levantaríamos pouco mais de um ano depois.

    Junto a Carlos Alberto Santos, na homenagem do Museu da Pelada aos campeões de 1989, lembrei dessa história para a  lente de Daniel Planel, em mais um gol de placa de Sérgio Pugliese,  o Midas da memória do nosso futebol. Caçador de relíquias, esse vascaíno querido resgata não só histórias, mas também a dignidade de heróis dos gramados, muitos deles jogados às traças. Quem não se lembra de Enéas de Andrade, o Mike Tyson, maqueiro do Maracanã. Pois Pugliese foi até ele, um fiapo deitado numa cama. Mesmo debilitado, Tyson ficou feliz com o carinho e o reconhecimento.

    Foi inesquecível a noite da última terça-feira. Na Cobal do Humaitá, bem perto do Largo dos Leões tão caro ao Botafogo, Gottardo, Mauro Galvão, Maurício, Paulinho Criciúma e Carlos Alberto Santos deram autógrafos, receberam carinhos e contaram passagens de suas carreiras.

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