Pular para o conteúdo principal

SATURNINO, O FÃ DE HELENO


    A democracia engatinhava. Naquela época, mesmo aqueles que não votavam, participavam de campanhas. Era minha segunda incursão nas panfletagens. A estreia tinha sido três anos antes, na eleição de Leonel Brizola. Em 1985, lá estava eu, pertinho de casa, batendo ponto no comitê de Saturnino Braga em Santa Teresa. Vez por outra, ele passava por lá a bordo de seu Fusquinha, acho que azul. Mais uma vitória do PDT, numa surra que fez o almofadinha Rubem Medina passar vergonha.

    Anos depois, entrou num restaurante acompanhado da mulher. Ao passar por mim, parou. “Você sabia que cheguei a ver o Botafogo usando essa camisa em General Severiano?” Eu estava vestido com uma camisa retrô, com o escudo do Football Club, ainda sem a famosa estrela solitária. “Ainda vi o Heleno em ação!”, gabou-se. “Que privilégio, senador. Heleno foi o jogador que mais amou o Botafogo”, lhe disse. “Eu sei disso. Por essa e outras razões, como a vontade de vencer, ele é, até hoje, meu ídolo”, devolveu.

    Muito tempo depois, em março de 2016, reencontrei Saturnino num estúdio de tevê. Produzi, a pedido de Geneton Moraes Neto, uma entrevista para o programa do saudoso amigo. Geneton sempre tinha algo de diferente na manga. Quis saber sobre um lado desconhecido do senador: seu gosto pelo canto e pelas marchinhas de carnaval. Saturnino ficou tão feliz que atendeu o pedido do repórter. Soltou a voz. Não lembro a música. Só lembro que aproveitei a deixa e comecei a cantarolar o jingle dele. “É carioca da gema, conhece o Rio de cor/De Santa Cruz a Ipanema/É Saturnino o melhor”. Empolgado, ele completou. “É o senador de respeito/Tudo que diz ele faz/Vai ser o nosso prefeito/O melhor mesmo é Saturnino e ninguém mais”, encerrou, às gargalhadas. Tudo registrado pelas lentes de Flavio Alexim.

    Descanse em paz, senador!


 

Comentários

Textos mais lidos pelo público

O HOMEM GENTIL

     No início de 2006, Eduardo Vinicius de Souza, o maior colecionador de camisas do Flamengo, me procurou. Queria um favor: uma cópia do ‘Caso Verdade’, programa da TV Globo que contava a história de um garoto da Cruzada São Sebastião, conjunto de prédios residenciais para a população carente no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro. Edu comentou que, num encontro com Adílio, o craque revelou, muito triste, que as imagens da fita VHS onde tinha gravado o programa já estavam muito ruins.      Com algum contato no Projac – o programa estava lá, em rolo de filme – não foi difícil conseguir. “Está aqui na minha mão”, disse a Edu, três dias depois. “Agora é só buscar”. Dez minutos mais tarde, Edu voltou a me ligar. “O Adílio faz questão de te agradecer pessoalmente”, disse. Declinei do convite. O que conversar com ele? Mas, num outro telefonema, Edu disse que o craque insistia. Convencido, fomos encontrá-lo num restaurante da Barra da Tijuca.     ...

Especial João Gilberto, parte I - JÁ NO ENSAIO, A BUSCA PELA PERFEIÇÃO

Pós-reportagem a partir de um vídeo no YouTube      Estamos em abril de 1978. João Gilberto ensaia o show que fará dali a algumas horas no Teatro Castro Alves, em Salvador. Com os pés num banquinho, João parece tranquilo. Calça azul e camisa de manga comprida da mesma cor num tom mais claro, conversa com Miúcha, sua ex-mulher. No fundo do teatro, técnicos de som trocam impressões. João maneia a cabeça. A cantora se aproxima. “Não ouço nem o grave nem o agudo”, se queixa. Miúcha abre os braços, como se estivesse indicando para onde as notas devem reverberar. O cantor faz um muxoxo e começa a tocar. ‘Dá licença, dá licença, meu senhor/Dá licença...’ Logo interrompe a música de Denis Brean, o compositor que, segundo ele, fez uma música linda sobre a Bahia sem nunca ter estado lá. “Voltou com o barulho!”, reclama, fazendo círculo com uma das mãos. Dá uma sentença aos técnicos, que estão no fundo do teatro. “Depois de qualquer som, reverbera e distorce”, vaticina. “Uen, uen, u...

A VOZ DA SOLIDARIEDADE

     Mais bonito que o gol que deu a vitória ao Botafogo ontem, em Cariacica, só mesmo a declaração de Junior Santos à beira do campo. “O que importa não é o quanto a gente aguenta apanhar. É como a gente pode se levantar." Com a voz embargada, nosso artilheiro se referia a Tiquinho, que perdera o pai dias antes. Era uma resposta às críticas que o companheiro sofrera no amargo 2023 duríssimo para todos os botafoguenses.      Junior Santos não esqueceu de homenagear a ex-sogra, que também faleceu. Antes mesmo de falar sobre a vitória, mandou beijos para a ex-mulher e seus filhos.       Como é bom ver a simplicidade de um jogador, dentro e fora de campo.