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| Foto: Vera Iris Paternostro |
Culpada! Quando ouvi, de longe, Daniel Barenboim dedilhando uma sonata de Beethoven, fui até a ilha de edição. Lá estava ela, a culpada, com lágrimas nos olhos, fungando e tudo. No corre-corre de um canal de tevê, havia – acreditem! – espaço tanto para o talento argentino como para um artista plástico desconhecido da periferia carioca. Porque a culpada não estava nem aí para o que era televisivo ou não, embora fosse uma mulher essencialmente de televisão. Se algo lhe causasse emoção, por que não espalhar essa emoção? Embora meiga, com a voz sempre doce, serena e baixa, minha amiga tinha fortes convicções. Se alguém duvidasse da audiência de um programa muito denso, dane-se a audiência. E lá estava nossa Quixote a empunhar sua espada. Não havia ali nenhuma arrogância, mas sobrava ironia. “O problema, meu amigo, é que as pessoas não querem escutar os outros. Elas gostam de ouvir as próprias vozes”, dizia.
Theresa vivia fora da curva. Criava seu tempo, ocupava seu espaço, às vezes de maneira muito particular. Atenta a tudo, vigiava, com rigor absoluto, os horários das ilhas. Quando via alguma delas desocupada, saía pelos corredores, nunca gritando, bradando: “Perder minutos de ilha é um criiiiiiime! Uma violência!” Essas atitudes faziam de Theresa uma figura controversa. Certa vez, de maus bofes, dedo em riste – exceção à regra – me acusou de uma descortesia. Eu não teria dado a cadeira para alguém mais velho se sentar. Aquilo me feriu. Por que a mágoa? Porque, alguns anos antes de entrar na Globo News, conheci Theresa fazendo crochê na casa de Maria Lucia Rangel, no Rocio. Parecia um personagem de Monteiro Lobato. Ficamos uns seis meses brigados, mesmo com mesas muito próximas.
Aconteceu, então, uma de suas primeiras internações. E lá fui eu ver como estava minha amiga. Inteligente, exibia sua erudição, falando sobre as vantagens da recente ablação. Fizemos ali, num dos leitos da São José, as pazes. Embora com recomendações para poupar o coração, não se segurou. “Agora, meu amigo, vou precisar de ajuda. Me ajuda?” Essa pergunta viraria nosso bordão. A qualquer dificuldade, com computadores, por exemplo, lá vinha o pedido de socorro, voz agudinha. “Me ajuuuuuuda?”
Intelectual – embora não se sentisse – Theresa gostava do silêncio. Curiosa característica, já que fez a carreira no audiovisual. Como esquecer das vezes em quem, concentrada numa leitura ou escrevendo, pediu para diminuir o volume, palavras dela, “desse eletrodoméstico”? O eletrodoméstico em questão era a televisão, elevada sobre a sua mesa de trabalho. “Só pode ser de propósito”, se queixava, para a gargalhada de todos. Como não se lembrar dela, bolsa a tiracolo, anunciando. “Vou dar um pulinho em casa!”. Mas já? E ela. “Meu dia começa cedo. Às seis e meia eu já estava na missa”, se justificava. Prendíamos o riso.
Das amigas que tive, Theresa foi ouvinte atenta e conselheira constante, na lida e na vida. Inesquecíveis momentos ao lado dela. Dizia que Maria Theresa Tostes Walcacer era a culpada. Sim, ela foi culpada pela busca do melhor. Culpada de acostumar mal os amigos, os cercando de carinhos, palavras gentis, finas ironias e algumas maledicências porque ninguém é santo. Por aqui, minha amiga, nesse mundão besta, qualquer dificuldade que tiver, vou pensar em você, falando baixinho, como uma reza. “Me ajuda!”

Apaixonante esse relato. Senti Theresa mais perto e mais viva, nessas suas palavras. Ela já deve estar reclamando da zoeira na recepção do lado de lá. Querendo silêncio para ouvir os cochichos dos que ficaram neste "mundão besta", sobre sua despedida.
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